Guest Post da Rita Faleiro nesta Semana Mundial de Aleitamento Materno 2021 ~ Não, não está tudo bem. Mas tudo bem.

A minha história de amamentação começou ainda no filho anterior, que saiu da maternidade com leite em pó porque me disseram que não tinha leite, que o leite não subia, e que ele tinha fome. Foi amamentado durante uma semana, e posteriormente uma vez por dia até aos dois meses. Introduzi o biberão e a chucha.

Nesta gravidez, desejei que fosse diferente. Preparei-me. Li. Informei-me. Fiz workshops de preparação para a amamentação. Acreditei no que era dito em todo o lado: levando muito o bebé à mama, estimulamos muito a produção, produzimos mais leite. Se houver algum problema, contacta-se uma CAM para resolver a pega e as coisas vão melhorar. Não introduzir mamilos de silicone nem pomadas, pois cada coisa que se coloca no mamilo é uma barreira extra entre o mamilo e a boca do bebé, podendo assim dificultar ainda mais o processo.

Em Janeiro, nasceu o meu bebé, tivemos a nossa “hora de ouro”, foi à mama depois do breast crawl, dormiu em cima de mim, pele com pele, tudo. Fiz tudo bem. As primeiras noites foram horríveis… ele chorava horrores, não dormia, e estava praticamente o dia todo na mama. Para mim, era normal: os bebés choram por muitas razões, vão à mama se for preciso de dez em dez minutos, estão a estabelecer a produção de leite. Porém, os dias foram passando e nunca tive a subida do leite. O bebé não aumentava de peso. Fui acompanhada desde o início por consultoras de aleitamento materno e assessoras de lactação. Ajudaram-me ao máximo. Mas o bebé não ganhava peso, e começou a perder. Por conselho da minha doula, marquei uma consulta com uma Consultora de Lactação Certificada (IBCLC.) E confirmou-se. Tenho um quadro de hipoplasia mamária, falta de tecido glandular/glandula mamária em suficiência para produção de leite. De repente, percebi que tive todo um conjunto de red flags: não tive qualquer alteração nas mamas durante a gravidez, são tubulares, tive diabetes gestacionais e sou uma pessoa naturalmente muito stressada e ansiosa, o que eleva os níveis de cortisol. Receita para o desastre…

Tive que introduzir suplemento e chorei horrores nesse dia. Comprei uma sonda de relactação sempre com a esperança que o peito produzisse mais.

Tive que introduzir biberão depois de me ter ido abaixo de tal forma num dia que fui mentalmente incapaz de colocar o bebé à mama. Caí numa depressão pós-parto por causa disto. A culpa e o sentimento de ter falhado eram enormes.

Mas a minha IBCLC… é um anjo na terra. Fiz várias consultas com ela, fomos introduzindo o suplemento sempre bem doseado. Fiz os exercícios de mindfullness que ela recomendou. Retomei os trabalhos manuais. Reconectei-me comigo. Aos poucos, redescobri o prazer de alimentar o meu filho. Um dia, já não chorava ao dar mama. Continuei sempre sempre com sonda, exceptuado à noite porque sou humana e preciso de descansar… e ele continua a acordar inúmeras vezes.

Experimentei tudo o que há para experimentar para aumentar produção de leite: Promil. Suplementos. Chá de cardo mariano. Shatavari, Moringa, Domperidona, aveia, cevada, água, bacalhau… Claro que de pouco adiantou pois as características físicas do meu peito para pouco mais dão.

Mas aos poucos fui normalizando esta amamentação. Percebi que cada gota conta e é preciosa. Pouco ou muito, é o meu leite. Fiz duas breast pump diárias durante meses, até que não consegui mais. Mas fui redescobrindo o prazer imenso que é ter o meu filho ao peito. Foi como eu sonhei? Não. Nada.  Mas foi o meu caminho, e a poucos dias de cumprir os quatro meses, tive uma vitória gigantesca: conseguimos reduzir a dose de suplemento de 90mn para 60ml. Eu, com peito hipoplasico, com questões hormonais na gravidez que dificultaram a amamentação, com pouco reflexo de ejecção de leite, com uma depressão pós parto, consegui reduzir o suplemento! Foi a primeira enorme vitória na minha história de amamentação

Neste momento, está com seis meses e ainda mama. Todos os dias. E por vezes, aceita até apenas a mama, o que acho que ninguém consegue imaginar a vitória que é. Há noites em que apenas mama. Noutras, precisa de um biberão. Ou dois. E está tudo bem. Fiz as pazes com os biberões. Fiz as pazes com a fórmula.

Minto se disser que já nunca me dói a alma. Há dias que dói muito. Há dias que toda a logística de preparar a sonda, colocar a sonda ao peito, ajeitar a pega, garantir que succiona de forma eficaz com o tubo na boca, há dias que tudo isso é demais. É cansativo, não vou mentir. Mas o prazer de saber que estou a conseguir sobrepõe-se ao resto.

Sinto-me extremamente vitoriosa, contra todas as possibilidades estou a conseguir dar de mamar ao meu filho, tem sido uma luta enorme, mas o prazer de o ter à mama faz tudo valer a pena.

Nesta semana mundial do aleitamento materno, quero partilhar a minha história com todas vós. E com todos vós. Mães, grávidas, puérperas, pais, avós, redes de suporte.

Sinto-me feliz de poder falar disto, pois inevitavelmente há muita tendência para se pensar que todas as mulheres têm leite, que basta levar o bebé à mama, que a mama é fábrica e não armazém, que a livre demanda tudo resolve. Pode haver casos em que sim, mas há casos – e acredito que sejam bem mais do que se pensa – em que isso não basta.

Por favor, não se limitem a ficar apenas por essas informações de primeira linha.

Questionem os vossos profissionais de saúde. Estejam atentas a red flags: tiveram alterações nas mamas? Tamanho, cor? Sentiram a subida do leite? Têm problemas hormonais? Problemas de stress?

Por favor, lembrem-se que há efectivamente questões físicas, hormonais e psicológicas que comprometem a produção e comprometem a ejecção do leite. Não tenham medo de procurar uma, duas, três, dez opiniões diferentes até perceberem qual o vosso caso.

E acima de tudo, lembrem-se que amamentar é muito mais que alimento. Eu tive que desconstruir essa ideia na minha cabeça. Sempre fui muito perfeccionista, tive muita dificuldade em aceitar que o meu corpo era “defeituoso”, que não produzia. Senti o meu corpo como danificado porque não podia alimentar o meu filho como tinha sonhado. Colocava-o à mama e chorava, chorava, chorava. E isso não é de todo saudável. Não é suposto chorar-se, não é suposto ser um sofrimento, não é suposto ser doloroso. Há espaço para todas nós, as que têm leite e as que não têm, as que querem amamentar e as que não querem, as que conseguiram e as que não conseguiram. O que não há, nem pode haver, é espaço para julgamentos internos ou externos. Todas nós temos uma carga enorme dentro de nós, e por vezes essa carga é tão grande que não nos é possível fazer mais.

Levei muito tempo a redescobrir a amamentação para mim. Levei muito tempo a aceitar que o meu corpo não é defeituoso, simplesmente tem características diferentes. E quão mais fácil teria sido a minha vida se tivesse tido esta informação ainda na minha gravidez! Na prática, em termos efectivos, não teria na mesma conseguido produzir mais leite. Mas teria tido um caminho mais fácil, sabendo de antemão o que podia acontecer, em vez de acreditar pia e cegamente que iria conseguir amamentar em exclusivo porque “todas as mulheres têm leite” e porque “basta levar o bebé à mama”. Não é verdade, e importa muito normalizar essa situação.

Estou neste momento em processo de fazer a acreditação da Liga La Leche, pois quero muito poder partilhar a minha história e a minha experiência com mais mulheres. Quero sobretudo ser uma voz activa que relembra que nem sempre basta a livre demanda, nem sempre se tem leite, nem sempre se ejecta leite, e que está tudo bem na mesma! Porque amamentar é muito, mas muito mais, do que leite. É amor, é carinho, é ternura – e se não quiserem amamentar, se não puderem, se não conseguirem, se não vos for possível, o amor, carinho e ternura continuam lá num biberão. O vínculo constrói-se na mesma; se assim não fosse, eu e o meu filho mais velho não teríamos o vínculo fantástico que temos.

Amamentar é muita coisa.  Não é, nem pode ser, julgamento.

Amamentar é amor. Alimentar é amor. E está tudo bem.

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